terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Lei de Improbidade Administrativa x Constituição Federal

Abordagem sob o prisma constitucional.

Em data de 02 de junho de 1992 foi promulgada a Lei n°. 8.429, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
O Partido Trabalhista Nacional – PTN protocolizou Ação Direta de Inconstitucionalidade c/c Medida Cautelar, a qual recebeu o número 2.182, com o fim de declarar a inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa, que dispõe sobre a punição dada aos agentes públicos que incorrerem na prática de atos de improbidade administrativa, objetivando, em sede cautelar, a suspensão da vigência da norma vergastada até ulterior apreciação meritória.
Busca o Autor da ADI a declaração de inconstitucionalidade formal no tocante ao rito procedimental dado à norma enquanto Projeto de Lei em trâmite na Câmara dos Deputados (casa iniciadora, em virtude de originar o projeto por meio de mensagem presidencial) e no Senado Federal (Casa Revisora).
É que, segundo o PTN, o PL (Projeto de Lei) foi aprovado pela Casa Iniciadora e enviado à Casa Revisora, a qual, aprovou o PL com substitutivo e o remeteu novamente à Casa Iniciadora, que, no âmbito de sua competência, rejeitou o substitutivo e aprovou o Projeto inicial, com a manutenção substancial de alguns elementos da emenda substitutiva, enviando o PL à sanção presidencial.
O Supremo, ainda em juízo perfunctório, rejeitou a medida cautelar de suspensão da vigência legal, observando que o PL seguiu seu normal trâmite. Tal Ação ainda não foi julgada, vez que o processo se encontra com o Ministro Eros Grau para exercício de voto-vista.
No tocante a tal afronta constitucional, posicionou-se desfavoravelmente, uma vez que o PL veio a ter o procedimento velado pelo correto processo legislativo, pois a Casa Revisora pode sim propor emenda substitutiva sem que seja perdido o Projeto, o que, aliás, é prerrogativa da respectiva Casa Legislativa com poder de revisão.
Ademais, quando o PL volta à Casa Iniciadora para apreciação da emenda substitutiva, esta tem a prerrogativa de rejeitá-lo e aprovar o Projeto inicialmente por ela aprovado, com possível aproveitamento de termos constantes da emenda substitutiva.
Assim, sob esse prisma, verifica, ao meu ver, a constitucionalidade da LIA (Lei de Improbidade Administrativa).
Outrossim, a doutrina discute a inconstitucionalidade da referida lei no tocante à ausência de competência da União em legislar sobre a matéria.
O Jurista que mais combate a norma contida na Lei de Improbidade Administrativa, dando-a por inconstitucional, é TOSHIO MUKAI ("A inconstitucionalidade da lei de improbidade administrativa – Lei Federal nº 8.429/92", in BDA novembro/99, p. 720):
Inexiste no texto constitucional, dentre as disposições que tratam da distribuição de competências dos entes federados, mormente no art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma autorização à União que lhe outorgue competência legislativa em termos de normas gerais sobre o assunto (improbidade administrativa). Aliás, nem poderia mesmo existir, pois, se se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência privativa de cada ente político. Em suma, se o funcionário é federal, somente lei federal pode impor-lhe sanções pelo seu mportamento irregular; se o funcionário é municipal, somente lei administrativa do Município ao qual está ligado pode impor-lhe sanções.
Alega o doutrinador que a legislação federal deve tratar a matéria nem ao menos de forma genérica, pois, não pode a União adentrar na prerrogativa legislativa de cada ente da federação, de modo que, na posição de Toshio Mukai, os entes que devem dispor a espécie (improbidade administrativa) no âmbito de suas competências legislativas.
Destarte, frise-se que o citado jurista ainda entende que o texto contido no art. 37, §4º, da Constituição Federal, não dá competência legislativa para que a União venha a dispor da matéria. Assim, é de ser trazido à baila o referido normativo constitucional, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Oportunizo-me, com a devida vênia, para discordar do renomado jurista, visto que a reserva legal constante do art. 37, § 4º, da CF é condizente com a que consta do art. 14, § 9º, da Carta Magna, senão veja-se:
Art. 14. (omissis).
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Desse modo, não entendo ser inconstitucional a norma em comento sob o ponto de vista da competência legislativa da União, vez que a reserva legal feita pela Constituição Federal é algo que pressupõe competência legislativa do Congresso Nacional, órgão legislativo da União Federal.
Entretanto, verificada a inteligência do § 9º do art. 14 com o § 4º do art. 37, ambos da CF, constata-se que os mesmos se complementam no bojo da LIA, visto que tal normativo ordinário trata das hipóteses contidas em ambos os textos constitucionais, sendo inconstitucional apenas na parte que trata da suspensão dos direitos políticos.
Ora, suspensão de direitos políticos é causa de inelegibilidade, na forma do art. 14, § 3º, II, da Carta Política de 1988, litteris:
Art. 14 (omissis).
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
Suspensos os direitos políticos de agente público, este, a partir da suspensão, se encontra inelegível, o que confirma a hipótese constante do art. 14, § 9º, da CF/88.
Assim, a Lei n°. 8.429/92, em seu art. 12, determina as sanções aplicáveis aos agentes da administração pública, seja ela direta, indireta, fundacional ou autárquica, o que se é necessário dispor a seguir:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Desta feita, não tem como não se vislumbrar a inconstitucionalidade da Lei aqui tratada, mais especificamente na parte dos incisos de seu art. 12, os quais tratam da suspensão dos direitos políticos, visto que tal suspensão gera inelegibilidade, causa esta que deve ser disposta em Lei Complementar, conforme previsão do art. 14, § 9º, da Lei Fundamental, estando a União, para tanto, competente para legislar a matéria.

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